segunda-feira, 18 de abril de 2011

Perfeição

Às vezes, o jeito que encontro para refletir sobre a vida é por meio de um joguinho mental. Uma palavra vem à mente e, assim que percebo isso, faço uma conexão entre essa palavra e situações concretas. Esse exercício tem me ajudado muito a compreender a mim mesma, e gostaria de compartilhá-lo, torcendo para que seja útil também a quem leia isto.
Hoje, a palavra que me martelou a cabeça foi perfeição.
Tudo começou quando tive a idéia de escrever para esta coluna. Sabem, sentar na frente do computador e começar a escrever é uma experiência meio traumática para quem gosta muito de ler, como eu. Nada fica suficientemente bom. E pensar que as pessoas vão achar que eu escrevo mal e que o texto está absolutamente desinteressante é horrível... (Talvez isso aconteça porque eu mesma sou muito crítica com o que leio por aí.) Apago tudo várias vezes e nem sempre chego ao final do que começo.
Aí “alguém” – provavelmente o meu anjinho da guarda - me diz que isso acontece porque eu estou usando parâmetros de comparação inadequados. Grandes escritores, narradores brilhantes de histórias... Ora, retruco, mas não temos que buscar sempre o melhor? Com o que vou me comparar, então? Vou me nivelar por baixo? Eu quero que o meu texto saia simplesmente perfeito! Afinal, ele vai aparecer para não sei quantas mil pessoas...
A vozinha responde, muito singelamente: compare-se com você mesma.
Juro, não entendi nada. E a confusão se instala. Comigo? Como? Quando? Onde? Por que?
No meio da confusão, abrem-se parênteses. Surge uma imagem mental. Um sujeito de terno e gravata atrás de uma mesa não lá muito bonita, numa sala calorenta, repleta de caderninhos, uns mais grossos, outros mais finos, mas todos do mesmo tamanho e cor. Melhor dizendo, são autos. Processos judiciais. O sujeito é um juiz de Direito.
Esse juiz está diante de uma dúvida cruel: libertar ou não um conhecido criminoso. Ele sempre foi elogiado pelos colegas pela perfeição de suas decisões, sempre justas e sempre com respaldo legal, mas, desta vez, ele deve escolher entre a justiça da necessária libertação do réu (pois, nesse caso, há bons motivos legais para isso) ou colocar em risco o bem maior que é a segurança da sociedade, na medida em que nada lhe garante que o preso não vá voltar a cometer crimes.
Na minha visão, sabem o que faz o juiz? Ele pensa que, por mais que o tal criminoso tivesse na cabeça mais crimes por cometer, não seria justo permanecer preso, se existem motivos que permitem a soltura – leis, criadas por pessoas que a própria sociedade escolheu para fazê-las. Além do mais, não é certo que ele vá reincidir no crime. Ele decide soltar o réu. Profere essa decisão sem saber se está perfeita para todo mundo, mas certo de que, para o seu conceito de justiça, está corretíssima. Fecham-se parênteses.
OK, anjo. Acho que entendi. O juiz seguiu o seu conceito de perfeição, já que não se poderia, no caso dele, agradar a gregos e troianos. E eu com isso?
Enquanto processava essas perguntas na minha cabeça-computador, escuto uns gritinhos de criança na casa do vizinho. A criança está feliz, brinca com algum adulto, que, por sua vez, não pára de paparicá-la e achar tudo o que ela faz bonitinho.
Eureca. Nem tudo que a criança faz é perfeito, mas... Nós, adultos, tendemos a sempre achar perfeito o que ela faz. É que a criança pequena não tem aqueles condicionamentos bobocas dos adultos, de achar que nada é suficiente, que é impossível ser perfeito, e que, para conseguirmos alguma coisa, temos que passar por cima dos outros. Ou pior: não vamos mesmo conseguir nada... Ela simplesmente é. Simplesmente expressa a si mesma, com toda aquela pureza e, hã, digamos, “fofura”.
E então me vêm à mente as palavras de um sujeito chamado Jesus, que há um tempão atrás disse que só os que forem como crianças entram no Reino dos Céus. O que pode ser traduzido assim: só aqueles que são o que são alcançam a perfeição (até rimou, fica fácil de gravar assim).
Ahá! É por isso que tenho de me comparar comigo mesma. O que tenho a transmitir por meio do que escrevo não pode ser escrito por mais ninguém. Faz parte das minhas convicções íntimas. Faz parte do que sou. O meu raciocínio deve ser: melhorar cada vez mais a minha forma de expressar o que sou. Além do mais, apenas eu posso selecionar o que é mais ou menos perfeito, dentro da minha cabeça. Ninguém pode fazer isso por mim. E é certo que não vou agradar a todo mundo (como já disse alguém, a unanimidade é burra – e eu concordo, pois nela não há discussão, nem ponderação, apenas aceitação cega!).
Hmm, e se a gente parar para pensar que alguns credos pregam que todos temos um pedacinho de Deus - a centelha divina – dentro de nós, isso faz todo o sentido...
Então, perfeição nada mais é do que ser eu mesma? Sim! E, ao mesmo tempo, não. Dentro de nós mesmos, como já tinha dito mais acima, existe uma porção de condicionamentos ruins que nos impedem de fazer isso. Mas... Isso é assunto para uma outra conversa!
(Estou feliz por ter conseguido acabar a contento o meu texto, com a maior perfeição possível. E você? O que eu disse lhe ajudou em alguma coisa? Como anda o seu conceito de perfeição?)
[Este texto foi escrito por mim em 2004 e estava perdido no meu computador antigo. Mas a mensagem - ao menos para mim - continua atual.]

Um comentário:

Marília Gessa disse...

Eu sempre tento ser o meu próprio paradigma. Mas é difícil....