domingo, 6 de março de 2011

Recortes da prostituição

Momento 1: é um filme inteiro, o da Bruna Surfistinha. Até que o filme é legal. Ele traz uma visão realista (no sentido técnico artístico) do que é ser prostituta, e talvez essa seja a graça - visceralidade, necessidades biológicas e psicológicas envolvidas. Não há romantização e nem pornografia. É aquilo e pronto.
É interessante como ela vai construindo uma "carreira" que só balança por conta de um fator que atrapalhou muitas outras carreiras, a droga. Ela faz porque gosta, e não tem problemas com isso, não liga para os estereótipos e ficou famosa com uma certa dose de inteligência, creio eu.
Não acho que a história da Bruna seja um "estímulo" à prostituição ou algo do tipo, até porque ela mostra coisas bem barra-pesada da profissão. Mas sem dúvida mostra uma pessoa que se descobriu - veja só - como profissional do sexo. Ela teve coragem de se assumir nisso. Tem gente que não assume coisas bem mais leves na vida.

Momento 2: nos 40's, uma menina do interior vai numa excursão da fábrica em que trabalha para Santos. Lá conhece um oficial da Força Aérea. Eles se apaixonam e se casam - mas o príncipe encantado vira um sapo verruguento quando, para conseguir dinheiro, obriga a moça a se prostituir. Entre idas e vindas da casa do pai, além de mil e uma desventuras, ela acaba assassinada pelo próprio marido, que, durante as investigações, ainda tenta pagar de marido ultrajado pra tentar se safar pela legítima defesa da honra. Ainda bem que ele não conseguiu. Foi condenado a uns bons anos de cana.
Essa história está contada num processo judicial que editei para a minha dissertação de mestrado. Mas veio a calhar o fato de que trabalhei nesse texto justamente na época do Carnaval e em que vi o filme da Bruna.

O que achei interessante nesses dois "momentos" foi notar como a prostituição pôde ao mesmo tempo servir como autoafirmação e como degradação. A Bruna Surfistinha me pareceu mais próxima de uma sacerdotisa do sexo dos templos egípcios antigos do que de uma "vagabunda" qualquer - e o crescimento da sua imagem mostra que ela virou uma verdadeira profissional. Já a menina assassinada passou, num curto espaço de tempo, de donzela a vagabunda involuntária.
Nos dois casos o elo de ligação é a necessidade biológica de sexo. Mas num caso ela cria uma espécie de "spa" urbano para homens carentes/insatisfeitos - que são mais objeto da Bruna do que o contrário. No outro caso, temos a visão que correntemente se tem da prostituição, com a mulher totalmente escravizada à moda antiquíssima. A coitada da menina nem pôde aproveitar as coisas boas da vida sexual, acho.
São dois lados de uma mesma moeda. Achei legal fazer essa reflexão porque, sendo mulher, tenho a tendência a achar que a prostituição é, necessariamente, exploração, e resultado de um mundo louco que mantém a mulher acorrentada (valeu, Tears for Fears).
Nosso mundo está louco, sim, mas o homem não necessariamente é o algoz. Sujeitos massacrados por esposas megeras têm boa chance de recorrer a mulheres como a Bruna, que os ouvem, fazem tudo MESMO etc.
Enfim, tudo volta àquela mesma antiga base, do respeito mútuo pelas diferenças. Um discursinho aquariano básico, da igualdade entre todos, apesar dessas mesmas diferenças.

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