quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Notícias do front da realidade

Semana passada minha mãe me liga, num final de tarde:
- Onde você tá? O mundo tá se acabando em água. Toma cuidado que a cidade inteira tá alagada. A 23 tá bloqueada. Tem um monte de carro perdido no meio da água [etc. etc. etc.].
Fiz cara de ué - da janela da minha sala, no trabalho, via um céu meio cinza, mas nada de chuva, nem de enchente. Minha mãe devia estar ligando do mundo dos bizarros, de Franca, sei lá.
- Mãe, tô no trabalho e aqui não tá chovendo.
Nada como a Internet: enquanto acalmava minha mãe descobri que a 23 já estava liberada há meia hora, o trânsito tava ruim, mas tava andando e a cidade aos poucos estava se recompondo de uma chuva que não chegou até onde eu estava. Confrontada com essa informação, ela responde:
- Mas eu tô vendo no Datena...
DATEEEENAAAAAA. OK, a gente ri porque sabe que não dá pra comparar um cara que vive da desgraça alheia (mesmo que ela já tenha passado) com sites que atualizam a informação praticamente em tempo real. Mas minha mãe, como tantas outras pessoas que não estão acostumadas com Internet, leva a televisão muito a sério.
Esse pequeno exemplo do cotidiano serve pra começar uma conversa sobre ilusão e realidade. Levei uma bronca esses dias, de um dos meus gurus encarnados, porque estava entrando na mesma noia televisiva da D. Vanda; mas, no meu caso, a TV não era no tubo, era ao vivo, era a opinião de outras pessoas, que estava me condicionando a ver uma realidade que não era a minha.
A Internet, no meu caso, eram os meus impulsos e a minha forma de ver o mundo, negligenciados em favor do Datena alheio. Os efeitos colaterais dessa negligência são tristeza, confusão, fraqueza nos posicionamentos e aquela sensação firme de que alguma coisa vai me substituir no trabalho de fazer a diferença.
A situação de pessoa "estudada", com pós-graduação, que manja fuçar na Internet e que está sempre atualizada de tudo não é suficiente para nos colocar em situação de independência e de poder de decisão. Mesmo fazendo parte de uma elite socioeconômica a gente faz parte da raça humana, um pessoal muito propício a se iludir e a esquecer do que nós somos, lá no fundo.
Ah, minha mãe não tá mais acompanhando o noticiário das chuvas pelo Datena.
- Que safado. Ele sabia que não tava mais chovendo. Só quer ver o mal dos outros...

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